Uma superbactéria inédita no mundo foi identificada no sangue de um paciente que ficou internado no Hospital das Clínicas de São Paulo no ano passado e colocou a comunidade científica internacional em alerta.
O microrganismo estava alojado em um homem de 35 anos que tinha micose fungoide (um tipo de câncer de pele). Ele também era diabético e dependente químico.
Segundo a médica Flávia Rossi, diretora do laboratório de microbiologia do HC e uma das autoras do artigo, o homem começou a apresentar muitas infecções na pele e depois no sangue. Apesar do tratamento com diversos antibióticos, a febre persistia.
A superbactéria é de uma classe já conhecida, mas tem características que a tornam única: a capacidade de infectar pessoas saudáveis, fora do hospital, e um alto nível de resistência aos antibióticos mais usados para tratar infecções severas.
O artigo com a descrição do caso foi publicado na semana passada na revista “The New England Journal of Medicine”. O trabalho reuniu pesquisadores brasileiros, americanos e europeus.
“É diferente de tudo que já vimos. Essa mutação pode causar infecções na comunidade e não mais só nos hospitais”, alerta o médico Cesar Arias, líder da equipe de pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade do Texas, em Houston (EUA).
A cepa original da superbactéria pertence a uma classe conhecida como SARM (Staphylococcus aureus resistente à meticilina) e é uma das causas mais comuns de infecções de pele e mucosas em pessoas de todas as idades, inclusive as saudáveis.
A superbactéria foi isolada em uma das análises de rotina do laboratório. Além da resistência incomum, a equipe do HC percebeu que ela tinha um padrão diferente das que já haviam sido descritas.Mais virulento e resistente, o novo microrganismo representa um problema de saúde pública, na avaliação de Cesar Arias. “Ele não responde à vancomicina, um dos antibióticos mais comuns e baratos nesse tipo de tratamento, e à meticilina, do grupo das penicilinas.”
O material foi enviado então ao grupo de Arias, no Texas, onde foi feita uma investigação molecular detalhada.
“A ‘alma’ dela, que é a parte genética, está ligada a bactérias de linhagem comunitária. Todas as descritas anteriormente, que já eram poucas [13 no mundo], eram de linhagem hospitalar, tinham um DNA maior. Essa nova tem um DNA menor, o que facilita a transmissão mais rápida e também entre pessoas saudáveis da comunidade.”
No caso do paciente do HC, a infecção causada pela superbactéria foi debelada com um antibiótico mais potente (bactemicina), mas, debilitado, o homem morreu três meses depois de pneumonia, em novembro do ano passado.
Segundo Flávia, como o microrganismo não infectou outros pacientes, não há risco imediato nem motivo para alarde. No entanto, reforça a médica, é preciso intensificar a vigilância, especialmente dentro dos hospitais.
Ela diz que ainda há no país muitas instituições sem laboratórios de microbiologia, aparelho fundamental para a detecção rápida e tratamento correto da infecção.
“Se eu não tenho um laboratório bem estruturado e bem equipado, não tenho como reconhecer a bactéria.”
Flávia explica que hoje há uma deficiência de suporte diagnóstico. “Às vezes, a devolução do resultado de um exame demora cinco dias. Se for mais rápido, consigo intervir mais precocemente.”
Para ela, com o alerta mundial, novos estudos de vigilância microbiológica serão feitos. “Precisamos entender melhor a genética dessa bactéria e monitorá-la de perto.” sinante ou cadastrado.
Fonte: Folha